O início do período republicano no Brasil foi bem movimentado, com inúmeras revoltas e conflitos. Cerca de 7 anos após a Guerra de Canudos, tema em nosso blog, um novo levante eclodiu no país, dessa vez em nossa capital. Com características diferentes, bem menos mortal, mas com a gênese também ligada a população excluída da sociedade.
Contexto Histórico
Rodrigues Alves foi o terceiro presidente civil do Brasil. Assumiu em 1902, com várias missões espinhosas, entre elas melhorar a situação sanitária do Rio de Janeiro. A cidade, capital e maior ícone do país, acumulava lixo pelas ruas, fato que desencadeou surtos de febre amarela, peste bubônica e varíola.
Não só os cariocas, mas inúmeros imigrantes recém-chegados também morriam no Rio, fazendo a cidade conhecida como “túmulo de estrangeiros”.
Nosso blog parece repetitivo, estamos sempre comparando fatos passados com o presente, mas atualmente as grandes cidades do Brasil vivem algo muito parecido. Doenças como dengue, zica e chikunguya crescem com o descaso governamental e da própria população. Isso sem levar em conta a febre amarela que voltou a nos assombrar. Nossas metrópoles em geral são sujas e com saneamento precário.
Voltando ao início do século XX, o Governo Federal tomou medidas extremas para combater os problemas. Ainda mais que Rodrigues Alves já havia perdido uma filha por complicações decorrentes da febre amarela.
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Francisco Pereira Passos foi nomeado prefeito, com o objetivo de reurbanizar e sanear a cidade, tendo Paris como modelo. Enormes obras públicas foram colocadas em prática, como alargamento de avenidas e construção de novos prédios públicos.
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Outra grande figura envolvida no processo foi Oswaldo Cruz, um jovem e promissor médico, com 30 anos de idade, responsável pela área da saúde. Ele garantiu ao prefeito e ao presidente da república que se tivesse carta branca para agir erradicaria as doenças da cidade.
Problemas
A missão hercúlea de resolver os problemas do Rio não foi fácil. Como também não são hoje pelo lado da segurança pública. Para alargar as avenidas do centro, a população mais pobre, que vivia em cortiços, foi sumariamente retirada, expulsas para locais menos nobres, engrossando as populações vivendo nos morros, no que, já naquela época, se chamavam favelas.
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Nos lugares das moradias de baixa renda surgiram prédios magníficos como os da Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e a Escola de Belas Artes. Um processo que hoje chamamos de gentrificação¹ ocorreu no centro do Rio. Revitalizado, teve os valores dos imóveis seus aluguéis aumentados, expulsando os moradores de baixa renda, que se viram cada vez mais marginalizados e empurrados rumo aos subúrbios que se formavam.
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Evidente que não somos contra a revitalização de áreas degradadas, mas sabemos que ela inexoravelmente promove uma expulsão de pessoas que, se não alocadas novamente, iniciam um processo de ocupação irregular e desordenada das cidades. Não se pode focar as atenções somente no local revitalizado, e sim na cidade como um todo.
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A área de saúde não deixou por menos. O governo teve a “brilhante” ideia pagar 100 réis por rato morto entregue aos coletores públicos. Em um país com enorme número de pessoas em situação social precária, a ideia foi um fracasso. Um grande comércio de ratos e criadouros dos mesmos surgiu no Rio de Janeiro.
Pareceu um filme de comédia, mas foi verdade, pessoas passaram a criar ratos como forma de ganhar algum dinheiro extra. Obviamente, em pouco tempo a lei foi suspensa.
Insatisfação e Desconhecimento
Em 1904 a vacinação se tornou obrigatória, gerando uma enorme insatisfação. Nenhum esclarecimento foi feito junto a população mais humilde em relação a vacina. Não se sabia sequer porque alguém estava sendo picado por uma agulha. Corriam boatos que aquela intervenção poderia ser até mesmo para eliminar a população mais pobre.
Óbvio que o objetivo central da atuação governamental era nobre, mas foi tremendamente mal conduzido. Os agentes públicos de saúde entravam nas casas arbitrariamente, na maioria dos casos com a polícia.
Filhas e esposas de moradores eram vacinadas a força, tendo seus braços expostos a estranhos, algo que naquela época se mostrava absurdo, já que as mulheres cobriam quase todo o corpo com roupas.
Com medo de também serem despejados, algo que realmente vinha acontecendo devido ao processo de reurbanização, as pessoas lutavam para não terem suas casas invadidas. Nos jornais, questionavam a eficácia da vacina, o que só aumentava a ira popular.
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A Revolta
Em 10 de novembro de 1904, mês de início da vacina obrigatória, protestos começaram a ganhar volume na capital do Brasil.
No dia 13 a situação saiu do controle. A população desenfreada virou bondes e depois arrancou seus trilhos, derrubou postes de luz, depredou lojas e confrontou a polícia. O estado de sítio foi decretado e a cidade foi cercada por tropas federais, lançando os cariocas em um momento tenso.
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O tumulto generalizado durou até o dia 16 de novembro. As forças de segurança agiram de forma inflexível e ao final a situação foi contornada. Ainda assim, o saldo foi cruel, com 30 mortes e 110 feridos. Além disso, 945 cidadãos foram presos na Ilha das Cobras, localizada na Baía da Guanabara, enquanto 461 foram deportados para o Estado do Acre.
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A vacinação obrigatória foi suspensa, mas voltou após o incidente. Apesar da condução completamente equivocada dos fatos, a varíola foi realmente erradicada da cidade, sendo eliminada em todo Brasil na década de 1970.
Em momento algum se discute o objetivo dos governantes e de Oswaldo Cruz, entretanto, quem pagou mais uma vez pela desinformação e incompetência governamental foi o povo.
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1 – Gentrificação: É um processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes, onde sai a comunidade de baixa renda e entram moradores das camadas mais ricas.
Publicado em 03.04.2018